Eu tenho um pequeno arquivo de lendas vivas de Brasília. Uma parte delas nem sei se existiram, outra eu conheci. Era uma outra Brasília, não outra como a do sítio da fotógrafa Uscha Velasco, não no sentido que ela dá à expressão “outra” referida à Brasília. Eram outros tempos, outros dias. E a história e a memória das gentes presume ter resgistros e lembranças desse tempo. Mas ele foi obscuro e rico. Somente eu, com minha ontologia a partir dos quase mitos, posso contar a quase história desses tempos.
Uma imagem de Brasília no tempo das lendas vivas. Hoje as lendas, parece, já nascem impregnadas de virus, trojans, estupros, sequestros e outras pragas desse nosso tempo zumbi! Que romântico eu sou!
Adianto que muita gente vai considerar meu arquivo de lendas vivas fraco. Mas é isso! Aguardo contribuições!
Eu queria saber se existiu mesmo a tal da Carla Camburão, aqui em Brasília, lá pelos anos 70. Queria mesmo saber se essa figura foi uma lenda ou não. Contavam que ela dava porrada, inclusive se o sujeito não quisesse namorar com ela. Bem, o povo fala e a conversa de boca em boca é uma das formas criativas mais mirabolantes já conhecidas – e muita usada – pelo ser humano.
Na foto, de frente, com um papagaio no pescoço mordendo a orelha dele, meu amigo Cesa Nelson, que tentava se passar, ai, por um pirata. Mas foi tentando se passar pelo lendário "Cezinha cabeção" que ele machucou mesmo a orelha... olho, o nariz, a boca ...
Agora, o Cebola eu conheci. O Cebola, gordinho com cabelo de piaçaba, tal qual uma cebola, com rugas de maracujá querendo ir prá gaveta, era um freqüentador do Beirute nos anos 80. Nunca mais vi. O Cebola teria namorado a Gal Costa e conhecido a Janes Jopplin. Ou ele ficou mesmo só no terreno nacional? Se bem me lembro ele falava algo como “O lance da Gal foi que ele não tava numas…”. Não me lembro bem. Adoro escrever com amnésia relativa!
A foto saiu de cabeça para baixo. Depois eu corrijo isso. Nela figura, mais uma vez, meu amigo Cesar Nelson; única lenda viva de Brasília que eu registrei, "apreendi" com minha câmera! Ai ele está se passando por punk.
E além da Carla Camburão e do Cebola tinha o tal do Cezinha Cabeção! Esse parece que existiu mesmo. Meu amigo Cesar Nelson (Cesar Antônio), certa feita, lá pelos idos dos anos de 1980, se fez passar pelo tal Cezinha Cabeção. A coisa ficou feia para o lado do Cezar Nelson. “Vamu Nelson, galelra, vamu Nelson! Eu já tô sentido que vai ser mais uma daqueles noites surreais!” Dizia o Cesinha quando o tal do Cezinha cabeção aparecia na área. Agente corria muito mas saímos da adolescência com todos os dentes e poucos olhos roxos.
Quem mais? Quem mais foi lenda viva nessa cidade borboleta? (é, borboleta! Lúcio Costa afirmou que o traçado da cidade foi baseado nas formas de uma borboleta). Bem, teve o
Eri. Dizem que esse rapaz, amigo de um amigo meu, dirigia-se às moças e dizia: “Prazer, meu nome é Eri, Eribaldo!”. O 007 que se cuidasse!
Brasíia Mítica! Nem Vale do Amanhecer nem caminho para a Chapada dos Veadeiros! A Brasília Mítica está localziada entre sua criação e o fim dos anos 80. Eu sou seu profeta!
O Clevinho (Clebinho) do Guará existiu. E namorou uma lenda. Não me lembro o nome. Será que foi a Carla Camburão? Acho que foi. Falecido ele, não tenho com pesquisar. Talvez o Érico Zorba, que nos apresentou – e salvou minha vida quando um amigo do Clevinho lá do gama quis me encher de porrada – possa contar algo sobre essa namorada do Clevinho, que também foi uma lenda, embora tenha existido. Com eu disse, o povo fala, conta. E eu também. Tirando a história que vem adiante, sobre o Jetro, o resto é pura imprecisão da minha parte.
Teve uma dupla, que fez lenda. Um amigo, de quem não posso dizer o nome – auto-intitulava-se punk e fazia suas próprias lendas inventando e distorcendo histórias – e o saudoso Marcelo Chau. Os dois se viam a 200 metros de distância um do outro e pronto! Saião correndo e gritando feito locos e se atracavama. Era porrada comendo solta. Como o meu amigo não era muito de vera e o Marcelo era magrinho e não brigava grandes coisas, creio que houve muito teatro nesses atracamentos. As preliminares indicam o caráter dramático da coisa toda.
Enfim, Cezar Nelson sendo ele mesmo, o melhor ilustrador do jornal "Nossa Voz". Periódico juvenil contestador. O "Nossa Voz" emergiu no seio do Colégio Marista de primeiro grau, em plena ditadura, no ano sagrado-profano de 1981! O Cesar Nelsom é o que está caindo da cadeira! Não sei se fui eu o autor dessa imagem. Sei que não foi a outra fotógrafa do jornal, a Sandra Silveira (é, Sandra Silveira mesmo), pois ela conversa com o Maurício, ao fundo, no rumo do cotovelo esquerdo do Cesar, a nossa direita.
Eu esperava me lembra de mais lendas vivas, mas vou ter que encerrar falando do Jetro, por quem nutro afeição e gratidão!
Teve também o Jetro, mas esse não foi lenda e, para mim, é uma criatura saudosa. O vi pouco antes de sua morte e ele demonstrou ser um ser humano incrível. Me obrigou a levar a sério um pedido de desculpas dele por quase ter me matado. Eu dizia “Que nada, não foi nada”. Ele ficou bravo e disse: “Sandro, eu agora sou temente a Deus (ou sou evangélico, não lembro exatamente o que ele disse) e não é brincadeira o que eu estou dizendo! Naquele dia eu quase matei você e eu preciso do seu perdão, sério, é coisa séria, é grave!” De um frio filho da mãe da espinha! Então eu pensei: “Meu amigo Fernando Antônio tinha razão, ele salvou minha vida ao se colocar entre a faca que o Jetro segurava e eu”. Jesus! Como eu era confiante. Foram anos para entender que eu quase tinha morrido de bobeira. Os detalhes que antecedem o momento da faca não podem ser narrados aqui, inclusive por respeito à memória do Jetro. E também por respeito à minha panaquice juvenil!
S.Alves!